quarta-feira, 26 de junho de 2013

O que eu sinto (na verdade) não tem nome


Deixo o bichinho entrar, como que automaticamente. Trepa por mim acima – já conhece o caminho – e instala-se bem aconchegado na curvatura côncava algures situada na base da minha espinha, da minha coluna vertebral. Recebo-o calorosamente. Nada do que possa fazer alterará o seu habitat – nada o irá destruir, nada o irá afectar.
Não derivo de ninguém, ninguém deriva de mim. Mas alguém me originou e eu origino este âmago sôfrego onde ele se acomoda. Reconheço seriamente a sua capacidade de auto-conservação. Sobrevive sem mim, eu sim não sobrevivo sem ele (Porque o odeio tanto assim então?).
Nada faz sentido, nem o sentido o faz. Nada sei, não sei nada e sei de cor o trilho que ele segue, os sintomas que se manifestam notoriamente em cada poro do meu corpo. Altera-se o meu cheiro. Até a tez da minha pele; o seu toque, textura, traço. As curvas traços e planos que me constituem adquirem um outro tipo de consistência. Nada é o que parece ser. A ilusão instala-se no físico do humano que conservo em mim (Ou será que já o perdi algures no meio da calçada suja, entapetada de cigarros?).
A criaturazinha conhece-me melhor do que seria saudável - para mim - talvez (Porque a amo tanto assim então?).  O néctar alcoólico que destilo atrai-a. Entrega-se a mim, concebo toda a sua plenitude na palma da minha mão suada; e eu, sem que tenha outra alternativa, a ela me entrego, na totalidade de alguém amargurado. Não há qualidade na minha existência senão a que a ela lhe reservo, então porquê a tristeza que me assola? Alimento-a, à companheira na base da minha espinha, cumprimento-a diariamente, bom dia, como vai?, tudo bem e consigo? sem que dela me despeça quando o astro se dedica ao seu devido descanso.
Não derivo de ninguém, mas ela deriva de mim, da melancolia crónica de alguma coisa que tenho, como um pedaço de vidro espelhado partido infiltrado nos meus olhos (que refletem somente eles mesmos). Deriva sem autorização, sem que eu lhe permita derivar, o que não impede que o faça na perfeição.
Deixo o bichinho entrar, como que automaticamente. A mossa que ele fez já está demarcada, a ferida que ele abriu mantém-se por sarar. Porque o amo tanto assim, então? A criaturazinha constrói o seu próprio mundo e electricamente o envia ao meu sistema nervoso central. Porque a odeio tanto assim, então? Existe para além do que vejo e ainda assim não vejo para além do que existe. 

terça-feira, 4 de junho de 2013

vidas

Tantos dias, tantas memórias, tantas perguntas e sempre a mesma resposta: o silêncio.