quinta-feira, 31 de julho de 2014

Sobre a velhice: effusus #38

Sobre a velhice: 

Um dia seremos todos velhos e, quando esse dia chegar só iremos ter saudades dos pais, dos avós, dos filhos, dos netos e daremos mais importância a isso do que à novela que dá na televisão, do que à doença que nos ataca o corpo, do que ao jogo do mundial, que ao politico que nos tira as miseras reformas. Só podemos ansiar que nunca nos ponham num lar. Pior que nos dizer nessa altura que não prestamos para nada e que somos apenas um fardo, pior será mesmo jogarem-nos contra uma cadeira de um lar pedindo-nos para que morramos por lá. 

 Isso seria arrancar de dentro de nós, o coração. 

Pedro Miguel Mota
31/07/2014

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Hoje, nos vinte minutos que me separam de algo a que já ousaram chamar trabalho, pensei em ti, em escrever-te, em dizer-te que o meu pai ainda guarda a carrinha que aos sete anos lhe prometeste comprar, em gritar-te por terem passado doze e não teres cumprido a promessa, chorei, por não entender a tua morte, por não entender uma carrinha parada há tanto tempo, por não gostar da esperança que me dá. Chorei a tua morte hoje.
Não chorei só a tua. Encontrei, nesse sitio que chamam trabalho, alguém a que chamaram de cadáver. Não acreditei. Vi, toquei, chamei. Não chorei. Lavei, vesti, atei as mãos, os pés, a cara. Tapei orifícios. Arranjei o cabelo, ajeitei a roupa. Mostrei o meu pesar à família, fechei a urna. Chorei ao ritmo daquelas pessoas que se despediram da mãe, da avó, que duma forma ou outra, ficaram órfãs, como tu foste.
Olho para a minha avó e tenho medo, tenho medo que a perca para o teu lado e para o desta minha senhora. Fala com quem manda no sitio onde estás, por favor, pede-lhe que não me tire a minha avó. Que não me tire mais ninguém.
Porque são dias.
Dias em que a morte se vê em todo o lado.
Dias em que abraço os meus com mais força e tolero o carinho que me dão.
Dias
de morte.
Dias em que não somos nada, como nos outros todos; apenas nos apercebemos disso, nos dias de morte.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

effusus #37

Eu odeio o ser e o estar,
Porque implicam ser isto e não aquilo,
Estar aqui e não ali
E toda eu desejo a omnipotência
E a omnipresença
O ser tudo e coisa nenhuma
O estar em todo o lado e em lado algum
O pertencer a todos e não pertencer a ninguém.

Quero o agora, o passado e o futuro
Quero a simultaneidade das coisas
E a eternidade das sensações remotas.
Não quero perder nem um grão de areia
Por preguiça de abrir os olhos
Ou por languidez dos sentidos
Ou por fatalidades da razão
Ou por meras paixões tépidas.

Não quero perder nem um grão de areia
Por algo que não valha um milhão deles,
Não enclausurados num pote
Mas sim dispersos, a flutuar
Nas galáxias mais distantes da nossa.
Ah! Estar viva e sabê-lo...

effusus #36 - do passado

Agora navego por outros mares. Esperavas isto, não esperavas? Não tão cedo, eu sei. Mas só fazia sentido que esperasses. Não quero a tua tristeza (a forma como me deixo levar pelo deslizar dos dedos sobre as teclas ainda me quer fazer chamar-te 'meu amor', e até que ficava bem na frase). Não quero o teu olhar triste, como dizia Miguel Sousa Tavares: "Não, meu amor. Não quero ver o teu olhar triste e magoado que me acusa, sem defesa, que me condena, sem entender." Há muita, muita coisa que não te disse. Muita coisa que um dia ainda te direi. Não temas. Eu nunca temi estar ao teu lado. E ainda estaria, se pudesse. Nunca temi estar ao teu lado, sabes o que é isso? Não temermos o maior desafio que a vida alguma vez nos fez?
Choro-te. Choro a tua ausência, o teu afastamento. Choro a nossa separação. Porque sei, com todas as certezas que algum dia tive, que se a vida fosse fácil tínhamos atravessado o mundo, tínhamos ultrapassado todas as tempestades para podermos, para sempre, estar ao lado um do outro.


terça-feira, 15 de julho de 2014

effusus #35

Já passaram três anos desde que parti rumo a uma nova aventura, longe da minha cidade natal, mas com ela sempre no meu coração. Agora que paro para pensar um pouco, apercebo-me mais uma vez do imenso role de momentos e recordações que guardo cá dentro. É uma aventura que é impossível ficar-se indiferente e quando se gosta daquilo que a vida nos proporcionou, tudo tem outro colorido. Mesmo naqueles dias em que a tristeza nos assola fortemente, o simples saber que a distância que nos separa daqueles que realmente amamos é meramente física, esboça-se um sorriso. Porque acima de tudo, sabemos que eles acreditam em nós e foram eles que também nos deixaram voar. Sabe bem chegar praticamente à etapa final e apesar de todo o cansaço que o corpo transparece, a face mostra contentamento, porque sabe-se que valeu e vale a pena lutar por aquilo em que se acredita. 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

das promessas

Foi uma noite difícil. Nunca é fácil aceitar que acabou, principalmente quando o problema não é a falta de sentimentos ou de vontades... Mas as circunstâncias, as estrelas, os outros. É, foi difícil. E por qualquer razão, no meio do desespero e da confusão, disseste baixinho "Não era suposto eu fazer isto". Puseste um joelho no chão, agarraste-me a mão e prometeste-me um futuro. Dez anos depois dessa noite.

E eu ri-me, ri-me porque já foram tantas os pedidos de casamento, tantas as promessas perdidas. No entanto, no manhã seguinte, quando o silêncio se apoderou da sala e eu não conseguia deixar de sentir a nossa história escapar pela fresta da janela, tal e qual uma corrente de ar, não me contive.
- Não faz mal, não faz mal porque isto não é o fim. Porque duas pessoas não podem fazer tanto sentido se não puderem ficar juntas. Portanto não é o fim, ainda vamos tentar outra vez. Um dia.
- Afinal és uma romântica - disseste-me.

É, acho que afinal sou.

domingo, 6 de julho de 2014

Decisões, escolhas e dores afins.

Sentes a tua pele abrir, dos pedaços de carne que estão agora separados por um rio de lagrimas vermelhas. Dói como nunca antes doeu, talvez seja por saberes que ou era desta ou era nunca. Podias ter ficado em standby, esperado mais uns tempos até dar resultado, mas a impaciência pela verdade levou a melhor. Podias ainda ter escolhido anestesia geral, mas gostas de sentir quando te tocam o coração. Mas desta vez, desta vez não sabe bem, não são festas de recuperação. São choques de morte.

sábado, 5 de julho de 2014

do inexplicável - effusus #34


Agora precisava mesmo de falar com alguém. Mas não o há, esse alguém. E não faz mal. Não faz mal porque se há coisa que mantenho em mim é a capacidade de me apaixonar. A minha capacidade extraordinária de me apaixonar. Uma e outra vez. Cada vez mais. Ainda que saia magoada. Ainda que já tenha tido a minha quota parte de finais não tão felizes. Mesmo não acreditando no amor, contra todas as expetativas, apaixono-me. Apaixono-me sempre. E ainda bem.

Venha mais uma.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

effusus #33

Todas estas histórias em mim, onde as li? Perdi-as há tanto tempo que já nem sei quem eu sou, se a Noa se a Nana, se uma simples Ana. Não distingo as vidas das personagens das minhas, ou se serei uma personagem dentro de mim, ou melhor, dentro dela. Estou para aqui amontoada, a apanhar pó num canto, ou talvez num centro, já não sei. Não percebo nada desta mistura de pessoas e o coelho nunca mais aparece. Falo mas ninguém ouve. Ouço mas ninguém fala. Não sou mais do que uma praia no Inverno. Já te disse que ainda acredito em qualquer coisa? Não sei bem no quê, se em magia se na ilha, mas é tudo real aqui dentro.                                                       Só não sei onde as escondi.