sexta-feira, 16 de março de 2012

O problema de muita gente é querer que a paixão dure para sempre. Por motivos nem sempre psicológicos, mas também biológicos, há como que uma adição às feniletilaminas, libertadas quando qualquer um de nós está apaixonado: aquele aperto no coração, as comuns "borboletas na bariga", aquele sorriso que nos desenha também a nós um sorriso na cara, aquela vontade de correr mundo fora ou de cometer loucuras com a pessoa que nos desperta esta intensidade de sentimentos... Não obstante, a paixão subverte-se paralelamente ao avanço dos tempos, à medida que a rotina toma conta de uma relação. E eis que um dia, a relação termina, porque esfriou. O problema, hoje em dia, é perder-se a coragem, a esperança, a vontade, a criatividade para manter a chama acesa. Emocionalmente estável, o melhor companheiro saberá, por certo, que amor e paixão não são a mesma coisa e que o caminho para manter uma relação viva é o caminho da amizade, assim como dizia em tempos o grande Aristóteles. Porque envelhecer juntos ainda é uma realidade possível para algumas pessoas.

Afonso Costa

quinta-feira, 15 de março de 2012

Amote

Um dia, não um dia qualquer, um dia. Dei comigo parado, a sorrir de banda, enquanto corrias no meu encalce. Nunca te tinha dito aquela estranha palavra. Aquela que todos dizem, às vezes só porque sim. Porque sim sem razão nenhuma, não lhe rouba o que tem de verdadeiro. É só porque faz sentido ali e agora.

E assim foi. Sem olás nem bons dias, saiu um pequeno amo da minha boca. Um pequeno, pequenino, lutador, sufocado pela timidez. Infelizmente, para mim, a palavra amo-te têm um hífen lá pelo meio. Um belo de um hífen que não passa de um pequeno traço de escrita, que nem se nota quando falamos. Mas naquele momento notou-se. Foi um pequeno amo que me permitiu respirar antes de te dizer o resto. E dizem que se não se disser nos primeiros três segundos, não se consegue dizer mais. Eu não consegui. Nem nos primeiros três, nem nos restantes quando ficaste à espera de saber o que me enche o coração. E eu não fui capaz de dizer que és tu.

Vou riscar a palavra da minha cabeça e inventar uma nova. Uma sem hífen. Até posso roubar o hífen à que já existe. E assim fica, um amote sem hífen, dito de uma vez só, sem respirar. Um amote sem nada que o separe no meio para nos roubar o ar todo de uma vez. Um amote.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Quatro

Eram quatro da tarde, marcadas pelo meu relógio de pulso. Eram quatro da tarde e foi esse o número de pancadas que eu, de punho fechado, bati na porta de tua casa. Uma. Duas. Três. Quatro. Quatro simples pancadas para te avisar que já tinha chegado. Podiam ter sido mais. Podiam ter sido menos. Mas não foram. Foram quatro. Dezasseis marcava o relógio.

Abriste-me a porta, de sorriso nas maçãs. Aquele sorriso tímido que te é tão característico. Os olhos gritantes, meio escondidos pelo cabelo que te cobre a face. Convidaste-me a entrar. Levei-te um girassol, daqueles que tu gostas. Um grande girassol que tem que se baixar para atravessar a ombreira da porta. Entramos. Nas paredes nada mudou. As mesmas fotos, os mesmos quadros, as mesmas pessoas. A casa não deixa de ter um aspeto desconcertante, apesar dos vários papéis amarfanhados ali no canto, apesar de alguma desarrumação e meias pelo chão, apesar de.

Sentados no sofá falamos do mundo. E de como o mundo nos estendeu a mão. Rimos. Saltamos. Vemos um filme e comemos pipocas. As horas não passam ali dentro. Olho para o relógio de cuco que tens por cima da lareira. Gostas de relógios. Olhei para aquele por acaso, porque podia ter olhado para os outros três na parede do lado direito. Marcam todos as quatro. As dezasseis. Sai uma tosta mista e a vida vai passando. Vive-se muito dentro daquela casa. Dou uma ajuda a arrumar algumas coisas, onde posso. Há sítios onde não chego e também não há escada para poder lá chegar. Enfim, paciência.

Digo-te que tenho de ir embora. Abro a porta da frente, uma leve brisa penteia-me os cabelos. Pedes.me para ficar. Mas eu preciso de ir embora. Estendo o pulso para fora da porta, os ponteiros ficam loucos e serpenteiam. Lá fora já são dez. Dez da noite. Ou dez do dia, depende. Vinte e duas. Estendes-me a mão, puxas-me. O mundo, lá fora, puxa ainda com mais força. E caio, esparramado no chão. Olho para cima. Lá estás tu. Dois rangidos irritantes e a porta fecha. Quatro. Foram quatro. Quatro batidas na porta para abrir. Dois rangidos, um estrondo e uma chave a rodar para fechar. A soma quatro. Eu contei. Foram quatro.

domingo, 11 de março de 2012

És uma aventura.

És uma aventura que não quero que termine. O teu sorriso é o meu horizonte, os teus braços os ramos das árvores a que me agarro. A tua voz é o vento que me empurra para novos e melhores caminhos. Os teus lábios o chão que piso. Os teus olhos, o gostar de me aventurar por ti a dentro. Como se fosses um mundo de alegrias, só alegrias.

Devora-me todos os dias. Quero sentir-te ainda mais.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Encontrei nos rascunhos os poemas que me fizeram descobrir a escrita. Bom, talvez seja mais correto dizer que foi quando me apercebi do quanto gostava dela depois de me deixar envolver por palavras. Fi-los para um concurso e ainda me lembro dos comentários que lhe foram feitos. Aqui os deixo.

As rosas negras
Crepitam na minha lareira
Por as queimar
Desaparecerá o negro que me rodeia?

Se furar um balão
De ar recheado
Furarei o meu coração
De vidro pintado?

Alma é aquela
Que ajuda os outros
Mente é aquela
Que se ajuda a si
Corpo é aquele
Que suporta a luta
Entre as duas
Num só.

O que o coração quer
A mente contraria
Todos têm medo de morrer
E medo de aproveitar a vida
Mas enfrentando apenas um medo
Os outros vão em seguida.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Não. Não posso passar por aquela bela enfermeira sem lhe dizer bom dia. E diz. O Sr. Alberto, já famoso por aquelas bandas, é um bom homem, contam. Sempre bem disposto, de sorriso calejado na cara, o que mais gosta é de cumprimentar quem sempre o recebe para o tratar. É a sua maneira de agradecer, afirma.

Aos oito anos já trabalhava na terra. Ajudava no que podia. Acordava cedo e calçava as galochas para ir tirar o leite à vaca! Segundo o Sr. Alberto, às sete da manhã é quando sabe melhor, uma caneca tirada do balde que usa para ordenhar. O carro de mão também não era coisa que lhe metia medo. Tanto servia para trabalhar como para brincar. Eram as mãos experientes e cansadas do trabalho que costumavam empurrar aquelas três rodas quando lá em cima se sentava. As mãos do seu avô.

A história dele, como costuma dizer, não foi nada diferente da dos miúdos do seu tempo. Histórias pejadas de trabalho árduo nos campos, nas salinas de Aveiro, na pesca do bacalhau. A história dele, como costuma dizer, foi sempre feita à procura de roubar o osso que sobrava na sopa da pedra que a sua mãe fazia. O osso que servia só para dar um gostinho à sopa. O osso que pertencia ao dono da casa, o seu avô, que o deixava sempre ficar com aquele restinho da carne mas que nunca foi carne.

Foi sempre recto na vida. Sempre bem mandado. Boa pessoa. Existem muitas boas pessoas neste mundo, diz. Têm é medo de o ser porque as pessoas boas raramente vão longe. Já ninguém é capaz de viver com tão pouco. O que nem é necessariamente mau! Muito sábio o Sr. Alberto. Ou Albertinho como a mulher o chamava. Sim, o chamava. Teve de a ver morrer à sua frente, culpa da gripe. Ainda a tentou levar ao médico mas a pobre não resistiu.

Aos sábados sentava-se na cadeira à frente de casa para ver os rapazes a jogar à bola. Gosta da juventude. Continua a gostar. Mas foi num desses fatídicos sábados que teve o seu primeiro problema. Apoiado na sua bengala, sentado no cadeira do costume, olhou para baixo e viu que tinha as calças molhadas. O primeiro de muitos que o têm acompanhado.

Hoje, o Sr. Alberto troca a cadeira do jardim por uma ainda melhor. Esta leva-o onde ele quer sem que tenha de caminhar, coisa que já nem consegue fazer. Duas grandes rodas, maiores que a do carro que tinha. Maiores ainda que a do carro de mão! A puta madrasta da vida não lhe poupou apenas as pernas. Para além disso, é obrigado a andar sempre com um saco de mijo atrás. Ao colo, diga-se. Agora, todos os dias passeia um belo saquinho do continente. Já serviu para compras. Pobre saco, hoje serve apenas para o pequeno infortúnio de um homem que nunca o pediu.

Não faz mal. Diz o Sr. Alberto ser um sortudo por ter trocado a cadeira de quatro pernas por uma de duas rodas. Esta, diz ele, permite-lhe sentir o avô a empurrar, por vezes, quando ele precisa de ir a algum lado. Pelo menos é isso que conta aos seus netos. Que nunca lhes aconteça o mesmo. Ou esperemos que sim.

quinta-feira, 1 de março de 2012

E abriria uma loja de chapéus. Mad Hatter's, parece-me um bom nome. E à porta, um aviso. PROIBIDA A ENTRADA A ARANHAS E VISIGODOS.