quarta-feira, 25 de junho de 2014

effusus #32


De vez em quando, bate assim uma saudade do que passou, do que ficou. De vez em quando, bate assim uma saudade do que sabemos que, inevitavelmente, não volta mais. Dói, não poder voltar atrás no tempo e reviver todos os momentos que nos fizeram bem. Revivê-los, fazer o tempo parar e pararmos, também nós, no tempo. Tornar os momentos eternos, quem sabe, se a eternidade dos sonhadores assim existir. Dói, voltar aos mesmos lugares de sempre e só restarem lembranças que nos preencheram a alma e nos tornaram grande parte do que somos.

E, no fim da viagem, a solução é mesmo deixar o pensamento parado, quieto e silencioso... não pensar, para não doer... ou, na pior das hipóteses, doer menos...
Querido passado, não voltes, fica bem onde estás!



domingo, 22 de junho de 2014

muito, meu amor

Quando é que ele chegou? Diz-me. Quando é que ele a viu pela primeira vez? Diz-me. Quando se abraçaram?

Quando é que isto começou?

Isto, o quê?

Isto.

O amor?

Sim, o amor.

O amor?

Sim, pode ser isso. Quando é que o amor começou?

Começou antes de ter começado. Um pouco antes. Nenhum deles soube quando começou. Só se sabe como é depois de já ter começado. Nem se sabe o que é, sabe-se só que já começou.

E depois?

E depois não acaba quando devia acabar. Dura mais tempo. O coração bate mais tempo. Não há maneira de parar o coração. 

E então?
E então é assim. Não há muito que se possa fazer. É mais do que suficiente. Tem de se aguentar. Todo o tempo que durar. Sem nunca saber, do princípio ou do fim, pode-se esperar.

Pode-se esperar?

Sim. Pode-se esperar. Sem saber o que se espera. É esse o verdadeiro esperar. Ninguém pode adivinhar o que traz o amor.

Pode trazer tudo. O amor é isso tudo que se deve esperar. 

Isso é ainda pior.

É. Não saber dizer o que é. Não haver palavras. 

O amor não tem nome, forma ou cor. Vem quando quer. Vai quando não se espera que vá.
Não se deixa adivinhar. Ninguém tem mão no amor.

E então? O que é que tu queres saber?

Eu gostava de saber.

Eu também gostava de saber. Mas o que se sabe é muito pouco. Quase nada. 

O amor não começa quando se quer, nem acaba quando se deseja. O amor é forte, destemido, indomável. Se não fosses tu, eu seria outro, dizem-se os amantes: eu quero viver na tua vida. Os amantes adivinham-se sem palavras, olham-se nos olhos à procura, fecham-se em quartos pequeninos. Perdem-se um no outro, agarram-se com toda a força dos dedos e dos braços, beijam-se sobre fundos abismos. O amor sempre mete muito medo. O medo de vir a faltar, depois de tudo ter prometido. Vai, mas não apanhes nenhum frio, e depois volta. Os amantes regressam quando a luz é pouca a um supremo egoísmo. Eu e tu e mais ninguém. O mundo pode desabar, o mar mudar de cor, a lua cair de repente. Só importa o brilho dos teus olhos e o sangue a bater nas minhas veias. Sabe-se lá o amor.

Fica quieto, não faças nada. Ama-me mais e mais, de dia e de noite. O mundo não precisa saber de nada disto.

Pedro Paixão

segunda-feira, 16 de junho de 2014

effusus #31

regar as plantas do jardim com água suja de beber
e beber a água suja de regar as plantas do jardim
não ser mais do que a poesia que habita pétalas
e os raios de sol que incidem na minha fronte espelhada
ser vida e negar o não ser nada

domingo, 15 de junho de 2014

effusus #30

Perco-me contigo. És boa energia. E o demais desaparece como por arte de magia. É bom ter-te de volta, ver-te mais crescido, mas igualmente ternurento e divertido. A tua simples voz faz-me soltar umas belas risadas e o estômago por vezes dói de tanta felicidade, de tanta harmonia. É um doer saudável e eu quero continuar a sentir-me assim, bem. Mesmo que o meu mundo possa estar abatido, sei que com a tuas palavras algo melhora sempre. É bom ter-te de novo comigo. 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

do amor . effusus #29

tocas-me. arrepio-me. voltas a tocar-me e volto a arrepiar-me. beijas-me. beijas-me mais uma e outra vez. prometi que me queria afastar de ti, que ia terminar de vez com os nossos encontros. como posso? não posso. nem são propositados, pois não? olhas-me. como se resiste a um olhar desses? o cheiro do teu perfume, o jeito tão característico de como passas a tua mão pela minha, a forma como consegues cativar-me. quando é que isto vai acabar? deixas-me sempre com desejos de mais. podes parar? podes parar de me fazer amar-te? se soubeste fazer com que te amasse, também deverias saber fazer o contrário. e agora? vou viver de quê? de quem? da tua ausência, da falta do teu amor? vou viver como, sem ti?

Venham os raios de sol... effusus #28

Venham os raios de sol, venham os dias de praia, venham os dias deitados na areia, venham os dias deitados sobre a cama a descobertos de corpos nus envoltos em abraços e amores delicados ou excitantes. Por cada vez que fecho os olhos para sentir melhor o ar que te sai da boca e embate no meu peito sinto-me preenchido, como se tal momento me fizesse sentir que por muitos caminhos, bons ou maus, tivesse caminhado, cheguei ao ponto de sentir que valeram a pena as quedas, valeram a pena os empurrões e os choros, valeu a pena o choro do esforço, o rasgar da alma diversas vezes quando julgava que não conseguia dar mais de mim e com o ultimo fôlego conseguia dar mais um passo, subir mais um pedaço do poço. Valeu a pena o passado e por isso, que venham os dias de alegria, que venham os dias da felicidade contagiante, porque eu quero sentir-te melhor do que antes.

Aparece onde quer que estejas.
Aparece e eu poderei dar-te mais um sorriso, mais um mimo nessa barriga.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

dos começos - effusus #27



E, de repente, voltaram os quinze anos. Voltaram os sorrisos tímidos, escondidos pelo cabelo. Voltaram as conversas intermináveis, os beijos roubados, as mãos entrelaçadas. Voltaram os trinta-por-uma-linha por cinco minutos de alguém. Voltaram as pequenas loucuras, as pequenas surpresas. Voltou o calorzinho por dentro. Voltaram as borboletas - sim, essas que já julgava perdidas. Voltaram os apaixonados. Voltaram os meus quinze anos e o não querer saber o amanhã. E que bem que me sabe.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

carta a uma avó incansável. (effusus #26)

querida avó,

sempre encontrei abrigo na firmeza das tuas mãos e na ternura dos teus olhos.

o sorriso com que brindaste todos os meus passos foi para mim sempre uma certeza.

sempre soube que, por mais que crescesse, nunca deixaria de ser o teu menino.
o mesmo que seguraste nos braços tantas e tantas vezes. o mesmo com quem brincavas tardes inteiras. o mesmo a quem aturaste tantas birras e choradeiras. o mesmo que queria ir contigo aonde quer que fosses (e que tu sempre levavas). o mesmo que perdeu o tigrinho em paris e não descansou enquanto não o encontraste. o mesmo que perguntava em tom jocoso à campainha "é para a reunião?" sempre que reunias as tuas amigas lá em casa às quartas-feiras. o mesmo que usava as costas do teu sofá para fazer de barco. o mesmo que te tirava os bibelôs da exposição. o mesmo com quem passavas horas a contar estórias com os pedaços de fruta para que os comesse.

e tu sempre com o mesmo carinho, a mesma luz, a mesma dedicação.

sei bem que não partiste este domingo.
muito do que sou hoje foi talhado por ti. muito do que somos, na verdade.
eu, o rui, a catarina, o pai, o avô e a tia lena. e todos os outros em cujas vidas foste entrando.
e foram tantos.

sei que trarei sempre esculpido em mim o teu sorriso, e que continuarei a ouvir a tua voz a dar-me segurança.

"avó é duas vezes mãe", fartavas-te de me lembrar. mas foste mãe tantas vezes que lhe perdi a conta.

hoje sei que continuas a olhar por nós. sei que nos proteges e nos seguras.
e sei que sorris, porque é só assim que tu sabes olhar para nós!

gosto tanto de ti, avó!

um beijinho enorme do teu neto do meio,
nuno.