vou passando entre as vielas que se desenham no centro da cidade. feixes de luz cinzentos invadem-me os olhos e encenam um nó na minha garganta. há qualquer coisa de grotesco nestes repentes titubeantes da natureza, como se só deles pudesse depender a claridade.
depois, o vulto. o eterno vulto imaginado, de arestas limadas pela revisitação dos dias. tu. entrego-me nessa volúpia frenética de te distinguir. o teu olhar. o teu sorriso. a tua boca. o teu perfume. as tuas mãos. as mesmas mãos que tantas vezes segurei por caminhos impenetráveis.
repito, sem querer, todos os pedaços de vida que partilhei contigo. as palavras, os gestos, as canções e os encantamentos. cada um é tão real como os feixes de luz cinzentos que me invadem os olhos e encenam um nó na minha garganta. então descanso. num silêncio quase perturbante, deixo esvair o corpo. ao reabrir os olhos, não dou com os teus vestígios.
a tua realidade pode ter sido sempre imaginada. mas neste final de tarde, ao relento, a tua ausência é tão real, tão absoluta, que em silêncio me escorre pelo rosto.