Está escuro e não gosto de estar
sozinha. Nunca gostei de estar sozinha. Nunca quis estar sozinha. O silêncio
sempre me fez confusão, o silêncio sempre trouxe mais medo. E ter medo não pode
ser bom, ter demasiado medo não pode ser bom. As saudades escondem-se em
buraquinhos que vão encontrando, em buraquinhos que não soube preencher, ou que
deixei que se esvaziassem. Mais buraquinhos trazem mais saudades e mais
saudades trazem mais dias sozinhos. Está escuro e não gosto de estar sozinha. Não
quero sair à rua porque na rua há pessoas e com as pessoas é suposto criar
amizades. Mas quanto mais amizades menos Inês há para dividir… E se a Inês não
se dividir passam a existir mais buraquinhos. Deixei de sair à rua para fugir
dos buraquinhos. Mas em casa, em casa também nascem, esses buraquinhos. Há
buraquinhos em todo o lado. Se calhar mais vale sair à rua. Mesmo que esteja
escuro, mesmo que esteja sozinha. Pelo menos não há silêncio, pelo menos o
silêncio fica em casa. E, quem sabe, também os buraquinhos.
terça-feira, 29 de maio de 2012
quarta-feira, 23 de maio de 2012
chorar e nascer
contavam-se já vinte e três dias ao quinto mês do ano de mil novecentos e noventa e três. ela nasceu. rompeu-se o silêncio e ela nasceu. primeiro chorou, depois nasceu. e como lhe soube bem nascer.
consta que a partir daí, chorou muitas vezes, mas nunca mais nasceu. a partir daí, dizem, sempre que chorava, esperava, sem dar por ela, um nascimento.
ao início, ainda lhe acorriam ao choro, alguém a segurava no colo e lhe segredava palavras bonitas ao ouvido. mas nascimento, nem vê-lo!
depois fartaram-se, mandavam-na calar quando chorava. até a tomavam por birrenta. é normal, que ela é criança!, diziam. mas nada de nascer, que era o que ela queria.
então aprendeu a chorar sozinha. mas no fim de chorar, vinha o silêncio. e continuava sem nascer.
por entre choros sem nascimentos, estava o mundo. ela pegou num sorriso e pô-lo aos ombros, para as horas vagas. e caminhou. caminhou sem parar. dezanove voltas ao sol depois, ainda caminha.
por entre choros sem nascimentos, nessa busca que todos fazemos, tive um dia a sorte de a conhecer.
e, sem chorar, nasci.
sábado, 19 de maio de 2012
segunda-feira, 7 de maio de 2012
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