Pretendo exilar-me de mim mesma.
As arestas polidas entretanto encarquilharam
Como dedos muito dentro de água. Quente.
Pele velha recolhida sobre si mesma
E texturas amargas, tal qual vinagre na boca.
O eco propaga-se, como numa gravação,
Uma cassete antiga de rolo arrancado.
Fotografo memórias para as poder esquecer
E relembrar somente o que me dilacera
E carne arranca, o que explora os cantos recônditos
Da pesada envergadura de mim mesma.
Pretendo exilar-me. Caminhar eternamente
Por entre as florestas tribais do sonho.
Os vidros estilhaçados ferem-me a cortiça dos dedos,
Receio o embaraço do sangue pegajoso
O opróbrio dos fracos sofredores
Que gemem sonetos por lábios entreabertos
E recusam a salvação por masoquismo exímio.
Recolho-me a esta classe enclausurada
Em paredes e barreiras puramente ilusórias.
Não existe vida. Deus está morto.
A proclamação do inferno na Terra é um engodo.
Mas o eco continua a propagar-se,
Na atmosfera suspenso por cordéis cinza
Infiltrando-se como humidade nos poros.
O silêncio de tudo permanecer na mesma
E a depressão de tudo ser igual de outra maneira
Acalentam os demónios pessoais da minha existência. Desolada.
Desloco massas de água, que chovem sobre mim
E caio repetidamente, qual Alice sem direcção
Na trama imunda de uma sociedade viciada.
De mim fujo, de mim me quero afastar
E desta dor crónica de cassete repuxada.
Exilo-me de mim e, como se não bastasse,
Exilo-me do que a realidade à força me quer dar.
Está muito bom. Gostei muito :)
ResponderEliminarMuito bonito!
ResponderEliminarcomo sempre Leonor, está fantástico :)
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