terça-feira, 27 de outubro de 2009

Para um Pai Ausente.



Pai,
hoje, quase 10 anos depois de nos teres abandonado, decidi escrever-te e contar-te tudo o que senti na tua ausência. Ausência essa que sempre senti mesmo quando ainda não tinhas saído de casa. Na realidade nunca foste um pai a sério. Não, eu nunca tive um pai como todos os meus colegas de escola. Tu nunca passeas-te comigo aos fins de semana, nunca me levaste á praia e nos dias frios de Inverno nunca me aconchegaste os lençóis. Eu sei porque todas as noites ficava acordada até te deitares, sempre na esperança que o fizesses. Nunca me pedis-te para me sentar ao teu lado, nem nunca me contaste histórias. Esquecias-te de mim frequentemente e se te lembravas era só e apenas para dizeres que não fazia nada de jeito. Comecei a pensar que era um peso para ti e desejei muitas vezes nunca ter nascido. Na tua carteira não havia espaço para uma fotografia minha e nunca guardaste os desenhos que te oferecia no Dia do Pai. Eu nunca me esquecia de ti.
Cresci no meio das tuas discussões com a mãe. Tinha tanto medo quando gritavam. Ás vezes espreitava pela porta entreaberta do vosso quarto e via-te levantares-lhe a mãe e agredi-la tanto física como psicologicamente. E, ela gostava tanto, tanto de ti que não tinha coragem para te largar. Consentia tudo.
Porque é que nunca foste capaz de demonstrar carinho pela tua família? Pelos que mais te amavam? Porque é que sempre anulaste esta parte de ti, que éramos nós?
No dia em que a minha mãe teve coragem para te amachucar as roupas e as enfiar numa mala velha e rasgada, com o coração estilhaçado, e te pôs fora de casa, eu chorei a noite toda. Por mais ódio que sentisse em relação a ti não imaginava os dias preenchidos de vida tua, nesta casa. Durante muitos dias esperei que regressasses e tu não voltaste nunca. Mais uma vez esperei e voltei a esperar em vão.
Mas sabes, pai... eu sei que apesar de tudo tu me amas ainda como sempre amaste. Apenas nunca soubeste demonstrar esse amo. É impossível os pais não amarem os filhos. O amor por um namorado/namorada, marido/mulher, amigo/amiga pode desaparecer. Mas o amor por um filho nunca, mesmo nos piores dias. O amor por um filho permanece sempre. Apenas ás vezes se pode esconder, numa parte funda de um coração deficiente como o teu, mas eu acredito que um dia vais lembrar-te de mim e vais procurar-me ; vais sentir o arrependimento perfurar-te a pele e vais correr para mim para me abraçares e com lágrimas nos olhos vais dizer baixinho: Desculpa, filho.
E eu, que estou aqui á espera desse momento, como sempre estive, como sempre hei-de estar, vou abrir-te os braços, abraçar-te com força e também com lágrimas nos olhos e o coração cheio de felicidade vou dizer-te: Eu desculpo-te, pai.

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PS: Espero que gostem do meu primeiro texto neste blogue :)

15 comentários:

  1. :'( triste história. ; triste eu saber esse azar.

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  2. adorei , como primeiro texto achei triste , profundo , directo, mas muito , muito bonito e sentido.
    continua a escrever :)
    beijinho

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  3. Amei o texto. Para além de estar muito bem escrito, a minha história é parecida com essa e tocou-me imenso. :)

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  4. aquele blog onde comentaste "madrugada de cristal" era para apagar. vou so usalo pra retirar alguns textos e melhoralos para por no meu blog novo "imaculado" . mas obrigada pelo teu comentário. é certo que a nossa vida é cheia de coisas más , mas também tem muitos momentos bons. as pessoas é que nem sempre se dão conta desses pequenos momentos :)
    não desistas

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  5. o primeiro texto neste blog ?! hen ??! :x

    mas adorei o texto ! O sentimento esta bem expresso !

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  6. e agora tenho uma lágrima escorrer-me pelo rosto. está lindo, fez-me chorar.

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  7. wow, cheio de sentimento, grande texto! :'

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  8. Para primeiro texto, aqui, bem que encerraste uma emoção colossal. Quanta beleza melancólica...
    Adorei, um belo rigisto*

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  9. Tocante, triste mas preciso.
    Preciso porque te faz libertar dos fantasmas.
    Sê bem-vinda :)

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  10. identifico-me muito com este texto e está muito giro :)

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