Hoje, nos vinte minutos que me separam de algo a que já ousaram chamar trabalho, pensei em ti, em escrever-te, em dizer-te que o meu pai ainda guarda a carrinha que aos sete anos lhe prometeste comprar, em gritar-te por terem passado doze e não teres cumprido a promessa, chorei, por não entender a tua morte, por não entender uma carrinha parada há tanto tempo, por não gostar da esperança que me dá. Chorei a tua morte hoje.
Não chorei só a tua. Encontrei, nesse sitio que chamam trabalho, alguém a que chamaram de cadáver. Não acreditei. Vi, toquei, chamei. Não chorei. Lavei, vesti, atei as mãos, os pés, a cara. Tapei orifícios. Arranjei o cabelo, ajeitei a roupa. Mostrei o meu pesar à família, fechei a urna. Chorei ao ritmo daquelas pessoas que se despediram da mãe, da avó, que duma forma ou outra, ficaram órfãs, como tu foste.
Olho para a minha avó e tenho medo, tenho medo que a perca para o teu lado e para o desta minha senhora. Fala com quem manda no sitio onde estás, por favor, pede-lhe que não me tire a minha avó. Que não me tire mais ninguém.
Porque são dias.
Dias em que a morte se vê em todo o lado.
Dias em que abraço os meus com mais força e tolero o carinho que me dão.
Dias
de morte.
Dias em que não somos nada, como nos outros todos; apenas nos apercebemos disso, nos dias de morte.
Que blog lindo
ResponderEliminarAdoro os textos
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Dias e acontecimentos pesados, que nos marcam e às vezes retiram algo de nós.
ResponderEliminarforça*
força, ana!
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