domingo, 31 de maio de 2009



O som manifestava-se descontrolado pela rua, extasiando todos à minha volta. A euforia tomava conta da multidão, aos gritos e aos saltos, o êxtase das fortes batidas penetravam fundo na alma, levando-nos a entrar naquela onda de loucura sem fim. Uma vez por outra, levavas a tua mão à minha cara, sussurrando aos meus ouvidos palavras por que esperava há muito tempo ouvir. Os sentidos estavam alerta e a loucura do ambiente que reinava à nossa volta furtava-nos a racionalidade, deixando-nos seguir o que o inconsciente ditava. Por entre a escuridão e as luzes que efusivamente piscavam ao som de cada batida, aproveitavas para me tocar, assim como eu a ti, deixando á solta a química que sempre explodiu em nós. Desenfreadamente, dançávamos, pulávamos e gritávamos de alegria, deixando que cada gota de suor possuísse cada detalhe da nossa pele. Era uma da manhã, as luzes acendem-se e o palco agradece os aplausos. Atingi a felicidade naquele momento. E não foi um sonho.

Buraka som sistema reinou e a multidão aplaudiu.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

- doem-te os braços?
- doem.
- e as mãos?
- também... tenho-as rasgadas.
- volta a cosê-las!
- como?
- isso terás de ser tu a descobrir.
- eu?
- sim. procura... hás-de encontrar.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Fácil

Disseram-me hoje que não gosto de coisas demasiado fáceis.

Deve ser por isso que gosto tanto de ti.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Pão com manteiga

Hoje de manhã, enquanto lutava pelo meu habitual pão com manteiga, fui comprimida contra corpos desconhecidos que se colavam a mim sem pudor nem licença.
Não me importei, era só a guerra diária. Não me importei até me sentir sozinha lá no meio, música alta nos dois ouvidos e corpo apertado contra outros desconhecidos.
Nenhum daqueles era o teu.

E foi aí que me senti incomodada.

domingo, 17 de maio de 2009

sou a única a perceber, ou a única ignorante? sou a única a ver, ou a única cega? esta sensação não se cria, não se manipula, limita-se a acontecer! digam-me, minha gente, quando é que a inferioridade deixou de se sentir pelos motivos certos. porquê, porquê a diferença ou semelhança? a porta fechou-se e eu não sei dançar. e, meus caros, entendam! não é escritor aquele que pensa até escrever, mas aquele que vê e escreve sem querer.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

meu (teu) corpo

sóbrio o teu olhar, enquanto me abraças.
beijas-me a alma e o pescoço, sinto-te junto (a mim).

quem te criou repele-se por loucura. ou louco sou eu,
que te afago o corpo.

sonho em desejo e beijo-te no peito.

a quimera de existires, perfeição do teu (meu) olhar.
sou teu (enfim), és minha (já).



não me sigas, caminha antes ao meu lado.
ficaremos juntos, só!
.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Eugénio de Andrade-Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Este poema fala de um amor gasto, corrompido pelo tempo e, agora, estéril. Podemos sentir a intensidade das palavras, a grandeza das frases e as imagens fabulosas que o poeta nos dá conta ao longo dos versos. Imagino que se sentem ambos frustrados por este amor não ter saído vitorioso pois, como o poeta diz, antes “todas as coisas eram possíveis” já que, os seus olhos, até se tornavam em “peixes verdes”. O seu amor era imbatível e de tudo capaz. Não haviam barreiras, nem impossíveis e bastava apenas murmurar o nome dela para que todas as coisas estremecessem. Estavam, certamente, no auge da paixão, quando os coração se encontram descobertos e sem defesas, quando o sentimento nos abre o espírito e nos arranca o orgulho, as certezas e as reivindicações. O que importa é amar, amar inteiramente, incondicionalmente. Mas isso acabou, isso era “no tempo dos segredos”, tempo que não volta mais. Agora esse “fogo” extinguiu-se, agora o amor acabou, a paixão dissipou-se. Talvez por terem abusado tanto das palavras ao ponto de as gastarem ou, simplesmente, porque quase tudo tem um fim. Dá-nos a sensação de que o amor é ingrato e que tem um tempo limitado quando, no nosso íntimo, queremos e desejamos intensamente que ele seja eterno. Ficamos com a ideia de que o amor, os afectos, as relações são fugazes e que passam por nós sem darmos conta, quase num sussurro e que vão ainda mais depressa do que chegam. No entanto, no primeiro verso do poema vemos, claramente, que algo poderia já não estar bem. O poeta fala-nos em “lágrimas”, em mãos apertadas e em “esperas inúteis”. Talvez esse amor não fosse assim tão perfeito, talvez não resultasse ou houvessem demasiadas complicações e tal levou a um vazio, a uma perda, a um não encontrar nada nas algibeiras do amor. Acho particularmente comovente a confissão do poeta quando diz que “não temos já nada para dar”. Não encaro este verso como uma inexistência de amor. Creio que ele existiu de uma forma vivaz e terna mas poucas coisas são eternas, e os amores vão e vêm como um rio apressado. Não faz do sentimento leviano, nem tão pouco menos importante, apenas o mostra real, sincero, poderoso, ainda que triste e difícil.
No final das contas, o adeus nunca é fácil.
(foi a minha parte do trabalho de literatura...foi difícil falar nele...quase chorei; quis partilha-lo por ser o meu poema de sempre)

domingo, 10 de maio de 2009

Eu vi o sol beijar a lua com tanto amor
vi a vida a sorrir com tanta vontade
assim de subito, vi que me estava a perder
agora sou tua.
Fugi para não ser a vítima
desapareci por mera desilusão
da saudade ficaram as marcas
do amor, o coração.
Menti para esvaziar o teu sentimento e agora
não te resta nada, nem amor nem paixão.
e se eu pudesse ter esquecido todos os momentos em que justifiquei a minha loucura com amor, desaparecido com a mala fechada, ter ouvido a sinfonia certa sentada num sofá velho ao despertar do crepúsculo; se eu pudesse ter esperado pelo fim da conversa, mantido a porta longe dos meus dedos ansiosos para a abrir.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

...



Queria eternizar aquele momento.

Sabe lá Deus porquê...

E hoje só digo isto.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

hoje, amantes.

vi-te passar no outro dia pela rua perto daquela onde te conheci.
o teu rosto era pobre, como se em facas mergulhado. teu olhar cinzento, como nunca antes to vira. tua voz rouca, esganiçada até, alguém te mordera a garganta. teu andar podre, caída em desastre cambaleavas. choravas. ou fingias chorar, que não cheguei a ver-te as lágrimas.
levavas na mão três cartas sem envelope e uma flor murcha e estavas a ouvir melodias deprimentes.
sentaste-te na escada do prédio onde senti os teus lábios, da primeira vez. e olhaste-me como quem espera, sorriste e deixaste cair a cabeça para o lado.
aproximei-me, sem me lembrar do passado, aproximei-me por inércia, instinto. e tu olhavas um ponto fixo no lugar onde eu estava há pouco, com a mesma sensação de espera.
estava agora apenas a dois metros de ti e detive-me. senti de novo todo aquele fulgor que nos unira, todo o sonho que uma mentira tua apagara meses antes.
ouvi gritar teu nome dentro do peito, dei mais um passo.


abriu-se a porta do prédio e tu, sobressaltada, olhaste para trás. era ele, aquele que agora caminhava a minha rota, entre os beijos dos teus braços.
afastei-me e uma das tuas lágrimas correu todo o meu rosto.

felizmente há dois caminhos,
entre os beijos dos teus braços!

nosso amor será clandestino!

sábado, 2 de maio de 2009

Espaços

Chegaste, guitarra ao peito e com a franqueza do costume. As minhas pernas balançaram ao ritmo da tua melodia no mesmo instante. Segurei-me ao portão de ferro e decidi que, se caminhasse lentamente de olhos presos no chão, não cairia. Deixamos sair umas quantas notas da boca sedente de algo mais que um "Boa-noite" e, finalmente, abandonaste-te ao pé de mim na cadeira de madeira velha.
O espaço...o espaço que te afastava de mim e que só me dava vontade de o rasgar, um espaço que eu começo a alargar ainda mais com os meus "mas" e que tu dilatas com as tuas promessas repetidas a cem mil espaços como o nosso. Talvez eu seja tonta, talvez eu perca aquilo que mais desejo, "mas" o meu coração não pode ser posto a descoberto tão abruptamente. Tenho medo que se constipe e que tal o leve a ficar dentro de casa uma semana com febres altas. Entreolhamo-nos, combinamos que a noite pode ser dilatada como o nosso espaço abismal e vamos ouvir as ondas estalar no meio das conversas feitas de vozes jovens e alegres. Dou-me a ti no silêncio, naquele toque que ainda está gravado em mim como "a luz em papel fotográfico"e tu nem percebes como o meu coração, cada vez mais desprotegido e fraco de tanto resistir, se enche de possibilidades e reconhecimentos de algo transcendente quando me apertas com força a mão fria. Talvez tu não te importes assim tanto que eu resista, talvez tu não te importes assim tanto com um espaço encurtado, talvez eu seja apenas mais um espaço no imenso espaço que é o teu espaço.
Vou cair, não vou? Vou fazer um grande corte no lado esquerdo do peito e tu, de guitarra ao peito e com a franqueza do costume, vais cantar essa nota perfeitamente limpa e harmoniosa num outro espaço qualquer.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Voar

Apeteceu-me deixar aqui um poema solto:


Entontecido
como asa que se abre para o azul
abarco a Vida toda
e parto
para os longes mais longes das distâncias mais longas
sei lá de que destinos ignorados!
Como pirata à hora da abordagem
grito e estremeço
liberto!
Grito e estremeço
perdido o sentido das pátrias
e a cor das raças,
livre para todos os caminhos dos homens!
Inebriado de posse
vou contigo, Vida,
como se fosses a minha namorada
e eu te levasse inteira nos meus braços!

(Manuel Fonseca, Poemas Completos, Forja Editora, 1975)