sentado na soleira de uma porta qualquer, encostara a cabeça à parede. estava exausto. não que o meu movimento, quase umbrático, me atormentasse o corpo. mas estava exausto. talvez fosse do sol ou do desgaste que levavam os sonhos. talvez daquele fiozinho de luz mais tórrida que prenunciava o final do dia. talvez de vaguear há dias pelas ruas, sem destino.
sem vontade de fechar os olhos, fixei-os numa criança que brincava a poucos metros dali. esperava com uma impaciência um tanto ou quanto comedida, que duas senhoras terminassem uma já longa conversa. em pequenos saltos, trocava os pés entre a calçada, enquanto o cabelo se lhe desgrenhava e os olhos riam calados, mais alto do que toda a azáfama que se fazia ouvir.
alguma coisa no sorriso entediado daquela criança despertava um outro, bem mais áspero e sem-sabor, na minha face. talvez tenha sido por isso, ou talvez pela sequência que impunham as pedras da calçada na sua brincadeira, que ela se foi aproximando de mim.
como se os sonhos que um dia eu também sonhara não tivessem ainda ganhado bolor. como se a infância fosse ainda do presente, como se me soprassem os calos das mãos e eu reaprendesse a sorrir.
decerto inquieta por ver a criança tão perto de mim, sem-abrigo imundo e lúgubre, a senhora que a acompanhava chamou-a com voz repreensiva.
e a realidade voltou a apoderar-se do meu rosto, num repente de melancolia.
Gostei muito.
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