sexta-feira, 16 de maio de 2014

effusus #25

Olá lembras-te de mim sou um pedaço de qualquer coisa enraizado em coisa nenhuma e tenho saudades do passar das horas e do contar dos minutos e das coisas mundanas que os seres humanos tanto gostam e que eu não gosto assim tanto mas causam-me aquela melancolia de saber que não pertenço e só por isso sinto saudade
Saudade sim saudade essa que detesto por não ser minha quase tanto como detesto amar por esse amor não ser meu mas eu não detesto amar que tolice que parvoíce que estupidez é claro que eu não detesto amar como poderia ser como seria eu amo amar não amar não tem sentido nenhum
Amar pedras e estrelas e animais e a poeira que se vê quando o sol incide em ar estagnado e aquele pedacinho de pele na curvatura do pescoço naqueles ossos salientes beijar aqueles ossos salientes percorrer com a língua aqueles ossos salientes e a cova na base do pescoço a cova na base do pescoço
Poeira que percorre o céu cinzento e amar esse céu cinzento como quem ama aqueles ossos salientes e as mãos e as veias e os dedos endurecidos e gastos pela vida que tão mal os trata amar as mãos a parte mais humana do corpo humano amar as mãos de quem nos ama com as mãos.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

effusus #24, das lágrimas

"Desculpa, tu fizeste-me rir, mas ele faz-me chorar."

Fiz anos há pouco mais de uma semana. O costume, mensagens, telefonemas, abraços, beijinhos. Enfim, tudo aquilo a que se tem direito quando é o nosso dia. Era mais uma noite de queima, da minha última queima. Como em todos os outros dias, estava em casa, bem acompanhada claro, a preparar a mente para ir para o recinto. Mas algo abalou o meu coração. Uma mensagem. Bastou ver o remetente para correr a primeira lágrima, quando li a mensagem vieram muitas mais. Dei por mim a não conseguir parar. Respondi e apaguei a mensagem. Não adiantou, não parei de chorar. Nada adianta, parece-me. Quando penso que está tudo ultrapassado, acontece alguma coisa. Agora sei, N, que vai ser sempre assim. Que vou sempre gostar de ti, venha quem vier.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

dos adeus - effusus #23


Os dias e as noites atropelam-se na pressa de chegar ao verão. Eu, pressa, não tenho nenhuma. Pela primeira vez a chegada da minha estação preferida implica um adeus. E um dos grandes. Tão grande que achei por bem adiá-lo. Por uns dias, por umas semanas, por um ano. Mas o relógio não parou e é chegada a altura do adeus. O derradeiro. O definitivo. O último. Vai ser difícil despir este quarto de mim, guardar as recordações em caixas e fazer as malas. Mas não se pode ser para sempre Peter Pan. Fica a certeza de que levo Coimbra comigo. E, felizmente, também a certeza que fica um pouco de mim em Coimbra. Nas ruas, nas tradições, nas pessoas. Eu, eu vou vestir pela última vez o nosso azul, pegar nas malas e preparar-me para a próxima estação. Até sempre.

sábado, 3 de maio de 2014

effusus 22#

Ela nunca fica muito tempo. Talvez não consiga, ou talvez não goste, ou nunca tenha encontrado uma razão para criar raízes. Veio numa tarde de primavera, ficou durante o verão e no outono já se começava a desprender, com o vento a puxá-la para longe de si, de mim e do mundo. E quando o inverno se instalou já não a encontrei. Não em mim, nem nela. Foi-se. É o curioso sobre os dentes de leão como ela, sabem, nem a si próprios estão agarrados.