segunda-feira, 12 de março de 2012

Quatro

Eram quatro da tarde, marcadas pelo meu relógio de pulso. Eram quatro da tarde e foi esse o número de pancadas que eu, de punho fechado, bati na porta de tua casa. Uma. Duas. Três. Quatro. Quatro simples pancadas para te avisar que já tinha chegado. Podiam ter sido mais. Podiam ter sido menos. Mas não foram. Foram quatro. Dezasseis marcava o relógio.

Abriste-me a porta, de sorriso nas maçãs. Aquele sorriso tímido que te é tão característico. Os olhos gritantes, meio escondidos pelo cabelo que te cobre a face. Convidaste-me a entrar. Levei-te um girassol, daqueles que tu gostas. Um grande girassol que tem que se baixar para atravessar a ombreira da porta. Entramos. Nas paredes nada mudou. As mesmas fotos, os mesmos quadros, as mesmas pessoas. A casa não deixa de ter um aspeto desconcertante, apesar dos vários papéis amarfanhados ali no canto, apesar de alguma desarrumação e meias pelo chão, apesar de.

Sentados no sofá falamos do mundo. E de como o mundo nos estendeu a mão. Rimos. Saltamos. Vemos um filme e comemos pipocas. As horas não passam ali dentro. Olho para o relógio de cuco que tens por cima da lareira. Gostas de relógios. Olhei para aquele por acaso, porque podia ter olhado para os outros três na parede do lado direito. Marcam todos as quatro. As dezasseis. Sai uma tosta mista e a vida vai passando. Vive-se muito dentro daquela casa. Dou uma ajuda a arrumar algumas coisas, onde posso. Há sítios onde não chego e também não há escada para poder lá chegar. Enfim, paciência.

Digo-te que tenho de ir embora. Abro a porta da frente, uma leve brisa penteia-me os cabelos. Pedes.me para ficar. Mas eu preciso de ir embora. Estendo o pulso para fora da porta, os ponteiros ficam loucos e serpenteiam. Lá fora já são dez. Dez da noite. Ou dez do dia, depende. Vinte e duas. Estendes-me a mão, puxas-me. O mundo, lá fora, puxa ainda com mais força. E caio, esparramado no chão. Olho para cima. Lá estás tu. Dois rangidos irritantes e a porta fecha. Quatro. Foram quatro. Quatro batidas na porta para abrir. Dois rangidos, um estrondo e uma chave a rodar para fechar. A soma quatro. Eu contei. Foram quatro.

5 comentários:

  1. é nestes textos que eu adoro perder-me depois de um dia cansativo. É como aquelas mantas que procuro quando estamos a ver televisão nem é pelo frio é pelo conforto e aconchego que estas sempre trazem e sem as quais a televisão se torna muito mais cansativa.

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