Não. Não posso passar por aquela bela enfermeira sem lhe dizer bom dia. E diz. O Sr. Alberto, já famoso por aquelas bandas, é um bom homem, contam. Sempre bem disposto, de sorriso calejado na cara, o que mais gosta é de cumprimentar quem sempre o recebe para o tratar. É a sua maneira de agradecer, afirma.
Aos oito anos já trabalhava na terra. Ajudava no que podia. Acordava cedo e calçava as galochas para ir tirar o leite à vaca! Segundo o Sr. Alberto, às sete da manhã é quando sabe melhor, uma caneca tirada do balde que usa para ordenhar. O carro de mão também não era coisa que lhe metia medo. Tanto servia para trabalhar como para brincar. Eram as mãos experientes e cansadas do trabalho que costumavam empurrar aquelas três rodas quando lá em cima se sentava. As mãos do seu avô.
A história dele, como costuma dizer, não foi nada diferente da dos miúdos do seu tempo. Histórias pejadas de trabalho árduo nos campos, nas salinas de Aveiro, na pesca do bacalhau. A história dele, como costuma dizer, foi sempre feita à procura de roubar o osso que sobrava na sopa da pedra que a sua mãe fazia. O osso que servia só para dar um gostinho à sopa. O osso que pertencia ao dono da casa, o seu avô, que o deixava sempre ficar com aquele restinho da carne mas que nunca foi carne.
Foi sempre recto na vida. Sempre bem mandado. Boa pessoa. Existem muitas boas pessoas neste mundo, diz. Têm é medo de o ser porque as pessoas boas raramente vão longe. Já ninguém é capaz de viver com tão pouco. O que nem é necessariamente mau! Muito sábio o Sr. Alberto. Ou Albertinho como a mulher o chamava. Sim, o chamava. Teve de a ver morrer à sua frente, culpa da gripe. Ainda a tentou levar ao médico mas a pobre não resistiu.
Aos sábados sentava-se na cadeira à frente de casa para ver os rapazes a jogar à bola. Gosta da juventude. Continua a gostar. Mas foi num desses fatídicos sábados que teve o seu primeiro problema. Apoiado na sua bengala, sentado no cadeira do costume, olhou para baixo e viu que tinha as calças molhadas. O primeiro de muitos que o têm acompanhado.
Hoje, o Sr. Alberto troca a cadeira do jardim por uma ainda melhor. Esta leva-o onde ele quer sem que tenha de caminhar, coisa que já nem consegue fazer. Duas grandes rodas, maiores que a do carro que tinha. Maiores ainda que a do carro de mão! A puta madrasta da vida não lhe poupou apenas as pernas. Para além disso, é obrigado a andar sempre com um saco de mijo atrás. Ao colo, diga-se. Agora, todos os dias passeia um belo saquinho do continente. Já serviu para compras. Pobre saco, hoje serve apenas para o pequeno infortúnio de um homem que nunca o pediu.
Não faz mal. Diz o Sr. Alberto ser um sortudo por ter trocado a cadeira de quatro pernas por uma de duas rodas. Esta, diz ele, permite-lhe sentir o avô a empurrar, por vezes, quando ele precisa de ir a algum lado. Pelo menos é isso que conta aos seus netos. Que nunca lhes aconteça o mesmo. Ou esperemos que sim.
se imaginássemos as historias de vida maravilhosas que existem bem ao pé de nós. Eu cada vez que me ponho a ouvir histórias volto a ser a criança que de olhos a brilhar ouve o seu avô ou avó.
ResponderEliminarMemorias e historias de vida, são a minha perdição...Bonito relato da vida e dos sentimentos de alguém,que no fundo nos envolvem a todos,a nossa evolução,o envelhecer, as nossas experiências as alegrias e mágoas,e também a forma de lhes fazer face.
ResponderEliminarComo eu adoro histórias!
ResponderEliminarQuanto mais simples, mais verdadeiras; quanto mais antigas, mais o que ensinar.
A sua maneira de contar deu uma sutileza, uma simplicidade, uma sinceridade maior ainda.
as coisas que nos ensinam... adorei!
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