O meu pai espera que eu durma. Diz que não descanso, que preciso de um bom par de horas esticada na cama alta e confortável. Vejo nos seus olhos preocupação. Espera que durma, como o mundo inteiro espera. Mas eu não durmo. Confesso que até há bem pouco tempo me enfiava nos lençóis até muito para além de horas decentes(algo muito pouco típico meu), arrastando os pés até à casa de banho onde, em vão, tentava lavar alma e coração atirados contra muros de amor contraditório. Confesso que via o sono como um escape, como um analgésico. Fugia do exterior, fugia de ti. Descia persianas, fechava portas, escondia-me por baixo de roupas largas e antigas. Antiga ia eu ficando, cada vez com mais rugas na alma semeada de hematomas que não passam, que não saram. Há dores que o tempo não leva, amores que o tempo não apaga. Eu não te quero apagar. Sou tão fraca. Tinha-me como mais dura nestas coisas, como mais decidida, como mais fiel a mim mesma. Onde me meti? O que raio fizeste comigo? Pensava que a boca não me trairia. Digo-o com confiança. Digo-te a ti. E tu rasgas esse véu que eu decido pôr entre nós com um sopro leve, quase imperceptível, véu retalhado que eu demorei horas infindas a cozer de novo. E o coração balança, assim como a voz e a porra da certeza, da convicção. E ardo muito de aflição. Nunca senti o chão fugir dos pés e digo-te: és o melhor a iniciar-me nestas andanças. Não tenho raiva, não tenho gritos, não tenho nada de mal para ti em mim. Só quilómetros e quilómetros de vazio, perdição, desilusão comigo mesma. O sono não ajuda. O sono faz-me sonhar contigo e eu não te quero lá. Tive-os em demasia sobre ti. Eram dissertações de utopias a dois. Furaste-mos precocemente. Quero que o sono seja essa distância de segurança entre os nosso corpos e as nossas mentes. Ao menos lá não te quero perto.
O meu pai, adormecido em preocupação por mim no quarto ao lado, espera ouvir o meu serenar. Mas pai, eu sou vulcão de desalento em erupção, não posso dormir.
Porém prometo-te: não farei barulho.
"Nunca senti o chão fugir dos pés e digo-te: és o melhor a iniciar-me nestas andanças." adorei *.*
ResponderEliminarcada vez mais profundos os teus textos, gostei mesmo =)
"não tenho nada de mal para ti em mim" ahahah, não tens nada de mal para MIM! xD
Muito profundo! +.+
ResponderEliminarJá ha muito tempo que eu não sei dormir.
ResponderEliminarEste texto podia ser tão meu. Adorei,
Beijinho*
Wow muito forte.
ResponderEliminarFiquei sem palavras.
Força, um beijo*
Magnifico! Adorei toda essa profundidade que usaste nas palavras.
ResponderEliminarMuitos parabéns *
consigo localizar-me perfeitamente aqui. adorei o texto, mara :)
ResponderEliminareu cada vez faço mais barulho enquanto não durmo. mas sinto-me bem ao observar o sono dos outros, sinto-me vivo.
ResponderEliminarGostei imenso Mara :)
ResponderEliminar"Porém prometo-te: não farei barulho." por vezes quando nao fazemos barulho é qdo encomodamos mais...
ResponderEliminaradorei cada letra!! ;)
beijo mto grande*** J.M.