quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Orvalho

Foi num dia de chuva. O seu cabelo cheirava a orvalho e das pontas nasciam gotas como se de árvores e frutos falássemos. Em ambas as mãos trazia sonhos apertados, entrelaçando muito os dedos como se temesse a ida de algo maior daquilo que podia dispensar. Já dispensara demasiado. Ou pelo menos, o seu lado egoísta assim lho dizia. Tinha os olhos doces, dois pontos de mel muito atentos e felizes mas que, naquele dia, apresentavam um vermelho invulgar. Falava depressa, numa correria atrapalhada como se o comboio da vida lhe fugisse das mãos ágeis e pequenas. Nesse dia, bebia chá lentamente saboreando os sabores que lhe chegavam em catadupa mas que a sua boca não conseguia distinguir. Sabia só que sentia a sua língua adocicada, quase em exagero. A saia comprida dançava-lhe teimosamente e as pontas dos dedos tamborilavam na borda da mesa. A sua expressão era séria e, quem a visse, diria que nuvens negras se aproximavam dos seus lábios firmes e cheios. Os pés doíam-lhe pois, descalços, sentiam com mais firmeza as irregularidades do piso. Não se importou. Dores maiores existiam.
Foi num dia de chuva que se abandonou e que caiu desamparada ainda fria do orvalho. Frutos viu nascer dos seus braços e árvore ficou.

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